PERFORMANCE, ESTÉTICA E ANÁLISE CRÍTICA Hanna Pires . 2016
antropologia inversa
culturas hibridas
criação de um tempo espaço de experimentação
Considerada uma arte híbrida por ter uma natureza multidisciplinar, a performance utiliza diversas linguagens artísticas, como as artes visuais, o teatro, a música, a dança, o cinema, o vídeo, a cyber-art, para a produção de um experimento. Porém, mais do que isto, mais do que uma visão estética, a performance traz em si a condição da análise crítica, pois o performer é um cronista do seu tempo/espaço, que reflete e problematiza os fluxos, formações e composições contemporâneas. Richard Schechner, professor de Estudos da Performance na Tisch School of the Arts da New York University, afirma que qualquer coisa pode ser estudada como se fosse performance: uma ação, um comportamento, uma evento, uma coisa. Os estudos performáticos explicam algo, mostram fazendo. A performance é dinâmica. ‘Fazendo’, ‘mostrar fazendo’, são ações que estão em fluxo e sempre mudando. As performances _ de arte, rituais, ou da vida cotidiana_ são comportamentos restaurados, comportamentos duas vezes experienciados. Que ajudam a compreender os hibridismos da cultura, os encontros trans-fronteiriços, os sincretismos, encontrados hoje principalmente nas grandes metrópoles e nas cidades de uma forma geral, que comprometem a noção de comunidade unificada e favorecem a fragmentação.
Segundo J.J.Lotufo, em A Arte da Performance entre Fronteiras, o ‘desmanchamento de certos mundos’ e o surgimento de outros, a presença de novos sentidos culturais, se faz em meio ao conflito incessante de regulação e de liberação existente na sociedade atual. O fluxo intenso de informações e impactos de toda ordem, o convívio na era digital pulveriza os locais de fala e escuta e torna complexas as formas de comunicação. O nomadismo característico do nosso tempo, a desterritorialização, o efêmero e o disperso como condição da subjetividade atual, demonstram quão impraticável é a esperança de manutenção de uma identidade cultural pura, estável e contínua. Noções de identidade, cultura, pertencimento, tornam-se bem mais complexas, demandando um processo de reinvenção contínua de sentido e valor. Na arte da performance estas contradições, ambiguidades e paradoxos podem ser e usualmente são utilizadas como rico material de trabalho, favorecendo as experimentações em torno das complexidades próprias do nosso tempo. Novos esboços, questionando as representações e os papéis sociais vigentes, são traçados na tentativa, sempre provisória, de abarcar esta complexidade do/no tempo.
Neste tempo onde não há delimitações estanques, pois em algum grau tudo se interconecta, a arte da performance favorece a alteridade e se mostra pertinente para problematizar representações culturais do ‘outro’. Quem representa quem? Quem é representado? Como e o que é representado?
ANTROPOLOGIA INVERSA
Através da performance é possível se estabelecer uma espécie de ‘antropologia inversa’, invertendo-se papéis sociais, hierarquias. Grupos minoritários tornam-se protagonistas; novas formas de colaboração são apresentadas como uma opção politica. Trabalhos de desconfiguração da ordem dominante, inversões étnicas e de gênero, travestimento cultural, subversão de poderes são meios de levar ao centro as culturas híbridas e às margens, o exótico e estranho. Todo este jogo de inversão das estruturas sociais, se dá como parte importante do processo de descolonização. Ao descolonizar o próprio corpo _ entendido também como “território ocupado”_ em frente ao público, acredita-se poder despertar questionamentos que por vezes podem extrapolar o momento da performance, trazendo inspiração ao publico participante para agir no seu cotidiano.
HIBRIDISMO CULTURAL
Presente fortemente na performance, o hibridismo cultural é o processo de mistura, de junção de diferentes matrizes culturais. A vertiginosa expansão urbana verificada nos nossos tempos, acaba por fazer com que as cidades concentrem praticamente 70% da população. De sociedades dispersas em milhares de comunidades rurais, tradicionais, locais e homogêneas, passamos a esta trama urbana onde se verifica uma interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação.
Canclini (2011) salienta que as culturas pós-modernas podem ser ditas de fronteiras. São resultantes do contato com o “outro” e decorrentes dos deslocamentos de bens simbólicos. O autor vê o hibridismo como um processo multicultural, de diálogo entre diversas culturas. A cultura é vista como algo não mais genuíno, mas sim, e muitas vezes, como algo representado. O que existe hoje, para o autor, é o simulacro como marca cultura.
Hutcheon (1991, p. 30) chama atenção para o fato de que as culturas pós-modernas, essencialmente híbridas, possibilitariam a contestação do discurso dominante na construção de novos discursos, descentralizados, fundamentados no contexto multicultural.
“A Cultura (com C maiúsculo, e no singular) se transformou em culturas (com c minúsculo, e no plural), como foi documentado com detalhe por nossos cientistas sociais. E isso parece estar ocorrendo apesar – e, eu afirmaria, talvez até por causa – do impulso homogeneizante da sociedade de consumo do capitalismo recente: mais uma contradição pós-moderna.” (HUTCHEON, 1991, p. 30)
HISTORIANDO...
Em 1960 é lançado em Paris, o Manifesto da Internacional Situacionista, organizado por um grupo de jovens franceses dotados de uma autodenominada "ideologia marginal", onde se incluíam poetas, escritores, arquitetos, e artistas "marginalizados". Buscavam uma alternativa para teorizar as "práticas espontâneas" desenvolvidas no seio da subcultura boêmia da Rive Gauche parisiense. Guy Debord, autor do livro A Sociedade do Espetáculo, foi o fundador e líder ideológico do Movimento Internacional Situacionista, e assumia nitidamente uma postura "contra-cultural" numa época por ele denominada de "sociedade do espetáculo".
“O espetáculo não é uma coleção de imagens, mas uma relação social entre pessoas, intermediada por imagens… O espetáculo em geral, como uma concreta inversão da vida, é um movimento autônomo do não vivente… O mentiroso mentiu pra si mesmo” – Guy Debord
"Nós vivemos em uma sociedade do espetáculo, isto é, toda a nossa vida é envolta por uma imensa acumulação de espetáculos. As coisas que eram vivenciadas diretamente agora são vivenciadas através de um intermediário. A partir do momento que uma experiência é tirada do mundo real ela se torna um produto comercial. Como um produto comercial o "espetacular" é desenvolvido em detrimento do real. Ele se torna um substituto da experiência." - Spectacular Times de Larry Law.
Raul Vaneigem, escritor e filósofo belga, autor do livro A Arte de Viver para as Novas Gerações, foi também um dos principais articuladores do movimento, propondo questionamentos sobre o papel da produção cultural na sociedade consumista do pós-guerra e destinando fortes críticas para a "pasteurização da vida cotidiana", em meio a qual os usuários encontravam-se "embutidos nas fórmulas de uso".
Os situacionistas tinham como tese central a construção de situações (performances) para se chegar à transformação revolucionária da vida cotidiana. Propunham uma revolução cultural contra a banalidade do cotidiano, contra a alienação e a passividade da sociedade. De 61 em diante passaram a se dedicar a questões exclusivamente políticas, ideológicas revolucionárias, anti-capitalistas, anti-alienantes e anti-espetaculares.
Opunham-se ao chamado ‘funcionalismo’ do modernismo, excesso de racionalismo e utilitarismo nos projetos das edificações e no planejamento urbano e estavam convictos de que a própria sociedade poderia e deveria mudar a arquitetura e o urbanismo. Seria a forma situacionista de viver e experimentar a cidade. Quando os habitantes passassem de simples espectadores a construtores, transformadores e ‘vivenciadores’ de seus próprios espaços, isto impedira qualquer tipo de espetacularização urbana. Esta visão inspirou o surgimento do Urbanismo Unitário (UU) que propunha a arte e a técnica como meio para a construção de um ambiente integral, em ligação dinâmica com as experiências de comportamento. Para este ideal urbano-experimental, uma construção estática do espaço seria incompatível com as contínuas mudanças de comportamento de uma sociedade.
Para se viver esta forma de urbanismo são criadas algumas ‘ferramentas’: a Psicogeografia, como um método e a Deriva, como uma prática. A Psicogeografia consiste no estudo dos efeitos do meio sobre o comportamento afetivo dos indivíduos. A Teoria da Deriva é uma performance comportamental experimental, significa flanar, do verbo francês flanêr, vagar por aí, passar por ambiências variadas, interferindo concreta ou abstratamente (através da observação e da emoção) sobre elas. Esta prática da Deriva propunha uma experiência artística-sensorial com bases conceituais muito particulares, com caráter lúdico e experimental. As atividades lúdicas conduziriam, consequentemente, a uma inevitável dinamização do espaço. O principal habitante do espaço dinâmico seria o homo ludens, definição situacionista para o homem que "atua sobre o seu entorno, interrompe, muda, intensifica seu micro contexto imediato". Mais do que um espaço de trabalho, o espaço dinâmico era considerado objeto de jogo, e isso impulsionava a demanda pela mobilidade e variabilidade de suas ambiências e estruturas. Contrários aos rápidos deslocamentos, tornava-se imperativo intensificar o uso do espaço, potencializando o jogo, a aventura e a exploração.
A primeira Internacional Situacionista foi desfeita no inicio dos anos 70, mas suas idéias situacionistas continuam ecoando ainda hoje, principalmente pelos amantes da liberdade.
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'LA POCHA NOSTRA' CONHECENDO UMA EXPERIENCIA DE CRIAÇÃO NA PERFORMANCE
referências
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ARTESUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR LITORAL . HISTÓRIA E APRECIAÇÃO DO TEATRO