PARA UMA RAZÃO ABERTA
"Hoje,
parece-nos racionalmente necessário repudiar toda a “deusa” razão, isto é, toda
a razão absoluta, fechada, auto-suficiente. Temos que considerar a
possibilidade de evolução da razão.
A razão é evolutiva A razão é o fenômeno evolutivo que
não progride de forma evolutiva e linear, como julgava o antigo racionalismo,
mas por mutações e reorganizações profundas....A razão deve deixar de ser
mecanicista para tornar-se viva.
Crítica e superação da razão fechada
A razão fechada
rejeita como inassimiláveis fragmentos enormes de realidade:....a questão da
relação sujeito-objeto no conhecimento; a desordem, o acaso; o singular, o
individual (que a generalidade abstrata esmaga); a existência e o ser, resíduos
irracionalizáveis....A poesia , a arte, que podem ser tolerados ou mantidos
como divertimento, não podem ter valor de conhecimento e de verdade, e
encontra-se rejeitado, bem entendido, tudo aquilo que denominamos trágico,
sublime, irrisório, tudo o que é amor, dor, humor...
Só uma razão
aberta pode e deve reconhecer o a-racional. Pierre Auger observou que não nos
podíamos limitar ao dítico racional-irracional. Há que acrescentar o a-racional:
o ser e a existência não são nem absurdos, nem racionais, eles são. Ela pode e
deve reconhecer igualmente o sobrerracional (Bachelard). Sem dúvida toda criação
e toda invenção comportam alguma coisa desse sobrerracional, que a racionalidade
pode eventualmente compreender depois da criação, mas nunca antes. Pode e deve
reconhecer que há fenômenos simultaneamente racionais, irracionais, a-racionais,
sobrerracionais, como talvez, o amor...
Por aí, uma
razão aberta torna-se o único modo de comunicação entre o racional, o a-racional,
o irracional.
A razão complexa A razão fechada era
simplificadora. Não podia enfrentar a complexidade da relação sujeito-objeto,
ordem-desordem. A razão complexa pode reconhecer estas relações fundamentais.
Pode reconhecer em si mesma uma zona obscura, irracionalizável e incerta. A
razão não é totalmente racionalizável...
A razão
complexa já não concebe em oposição absoluta mas em oposição relativa, isto é,
também em complementariedade, em comunicação, em trocas, os termos até ali
antinômicos: inteligência e afetividade, razão e desrazão. Homo já não é apenas sapiens,
mas sapiens/demens.
...O real sempre excede o racional. Mas
a razão pode desenvolver-se e tornar-se complexa. “A transformação da sociedade
que o nosso tempo exige revela-se inseparável da auto-superação da razão
(Castoriadis)."
(Edgar
Morin. Ciência com Consciência)