Para aquele que se considera um espírito tendo uma experiência como ser humanizado, a sua grande luta é vencer as suas humanidades, seus apegos, seus quereres e saberes, suas verdades e seus conceitos, seus hábitos e sua forma de viver satisfazendo valores humanos transitórios e materiais.
A maior ferramenta que o ser humano conta para seu trabalho sobre si, neste árduo processo, é a sua própria consciência.
Através dela ele tem a possibilidade de ‘se revelar a si próprio’, conhecer mais de si, perceber melhor suas circunstâncias e em que grau de consciência ou alienação ele as vive.
Muito se pode estudar e vivenciar neste processo de aprender a viver pelos valores da essência, e vir gradativamente se libertando das próprias humanidades que aprisionam numa vida voltada para os valores do externo.
Buscar ter uma vida simples e cada vez mais consciente é um trabalho constante sobre si, de atenção e vigilância, pois é da vida mesma, de suas circunstâncias, que vem o material para este auto-aprimoramento.
Uma situação muito comum do cotidiano, que pode causar grandes desconfortos e sofrimento é o ‘sentir-se afrontado’ por situações conflituosas de convivência.
O ‘sentir-se afrontado’ que determinadas situações, determinadas relações costumam causar, quer seja no trabalho, nas relações, na forma de viver enfim, pode ser uma excelente oportunidade, como um ‘cutucão’, uma forte convocação, para uma tomada de decisão consciente a respeito deste sentimento.
Vale lembrar que entendemos que ninguém afronta ninguém, a menos que si próprio se sinta afrontado. Portanto, cabe somente a si próprio compreender e resolver qualquer situação dita ‘de afrontamento’.
Como se dá esse processo do afrontamento e como o ser pode se libertar?
As vezes o afrontamento é gritante e rapidamente exige uma tomada de posição. Outras vezes, porém, o afrontamento é discreto porém contínuo. Sutilmente ele vai criando uma situação interna de incômodo, de não concórdia, de negação interna, que muitas vezes não é considerada, vai passando desapercebida e só vai ser possível se revelar a si próprio, com nitidez, quando o grau de luz interna, o grau de lucidez do ser permitir este ‘auto-revelar-se’.
Normalmente se dá através de alguma ‘explosão’, como um dique que se rompe, quando o ser é inundado por um nível de luz interna que tudo revela e escancara.
Daí a importância de trabalhar para o aumento da luz interior, ‘voltando seus holofotes para dentro de si’ e deixando de fornecer sua atenção e energia, quase que totalmente, às coisas do mundo externo, para que mais rapidamente se chegue ao grau de percepção adequado à compreensão.
Esta auto-revelação interna convoca, impulsiona, concede força a uma tomada de posição diante do ‘dito’ afrontamento. A consciência aclarada pode, ao compreender melhor a situação em que está presa, exigir uma intervenção.
Que o ser poderá fazer de diversas maneiras:
1. Ao se perceber sentindo–se afrontado, o ser toma consciência do que ocorre consigo mesmo, de seus mecanismos de respostas, percebe que sua intensa reação interior, de sentir-se afrontado, ocorre porque ‘o outro’ não fez, não agiu da maneira como ele considera certa, correta e adequada.
E aí está todo o sofrimento. O que fazer?
Buscar expandir a compreensão nesta mesma luz interna que trouxe a revelação, ou seja, sabendo-se um espírito em processo de vencer as suas humanidades.
Este entendimento faz toda a diferença no entendimento e no encaminhamento da ‘cura’ do sofrimento.
A compreensão de que somos todos espíritos em processo de evolução, traz o entendimento de que aquele outro, que faz uma ação que desperta o sentimento do ‘sentir-se afrontado’, tem o direito de fazê-lo.
E mais, está fazendo isto, para ser um instrumento de prova daquele que se sente ofendido, para que este possa ver, enxergar e agir sobre.
Portanto nisto não há afronta, nem afrontado, nem afrontador. Não há nada nisto que não seja a Perfeição de Deus agindo.
E por que então tanta revolta, tanta resistência, tanto ranger de dentes?
Porque esta prova, como todas aquelas pelas quais o ser humano passa em sua encarnação, está exigindo que este ser vença suas humanidades, dando ao outro o mesmo direito que quer para si, de ser quem é, e viver de acordo com suas verdades.
Este entendimento pode ser libertador de todo sofrimento contido na situação. Externamente, tudo pode permanecer como está; mas internamente, a compreensão pode iniciar o processo de libertação dos sentimentos de opressão e começar a operar a ‘cura do sofrimento’.
2. Porém, até chegar completamente a este entendimento e a esta prática consciente, o ser precisa compreender que, para vencer as suas humanidades é necessário um processo, às vezes árduo, mas que se dá ‘de passinho em passinho’. Cada degrau, cada tijolo colocado, conduz à estruturação de uma nova forma de viver e se relacionar com o mundo.
Ao invés de manter-se prisioneiro do sofrimento, num estado de desequilíbrio emocional, reagindo às suas contrariedades, o ser pode tomar providências internas e externas que o firmem cada vez mais nesta forma dita ‘espiritual’, de viver e lidar com suas circunstâncias.
Internamente, aproximar-se de Deus, buscar expandir a vivência pelos seus valores do íntimo; acumulando luz interna que traz lucidez.
Externamente, aliado ao processo de consciência, tomar providências práticas que são possíveis no momento. Perguntar-se objetivamente, sem melindres, sem acusações ao outro, o que realmente a pessoa pode fazer diante de tal circunstância; no caso por exemplo, o que a pessoa pode fazer diante do que a faz sentir-se ofendida:
‘Posso me afastar?’
‘Posso organizar melhor esta dinâmica?’
‘Como mantenho melhor a lealdade aos meus princípios e valores?’
‘A que forças estou servindo e mantendo quando permaneço nesta dinâmica de relação, sentindo-me afrontado e sofrendo por isso?’
‘Tenho forças, discernimento e disposição para fazer o que?’
‘Posso me reunir com pessoas mais afins à minha forma de pensar e agir para me fortalecer e aumentar meu auto-discernimento?’
‘O que me cabe fazer neste lugar em que estou?’
‘Como posso contribuir de forma mais harmônica?’
Voltar os holofotes ‘para dentro de si’, ou seja, não está no outro a solução, mas em si mesmo, em sua forma de se relacionar com o que ocorre!
O encaminhamento de ações em resposta sincera e objetiva, sem adjetivar mas procurando ver limpo e expondo de forma transparente, pode auxiliar grandemente ao ser manter-se mais centrado e portanto, poder manter mais vivo e harmonizado com o seu nível de consciência e contato interno, o que pode lhe dar o norte mais claro no caminho do seu trabalho sobre si.
3. Porém, caso deseje, o ser poderá permanecer como está, sentindo-se constantemente afrontado por determinada situação e nem tentando sair dela_ entendendo que não consegue porque não quer, não opta por, não se esforça para, não busca ajuda _ e entendendo que também tem esta opção: alienar-se de si e manter-se até quando quiser, sentindo-se como quiser...esta também é uma opção.
4. Ainda podemos considerar que o ser pode ter feito seu trabalho sobre si e não conseguido se libertar; portanto é continuar tentando, entendendo em tudo a vontade de Deus como soberana.
5. Em qualquer das opções e sempre, está a vontade de Deus operando. Cabe a cada um procurar alinhar-se a esta vontade ao invés de reagir contra ela, querendo que a sua vontade prevaleça.
Vale lembrar também que, mesmo que mínima, uma pequena conversão de rumo na forma de sentir e viver suas circunstâncias, uma pequena permissão na abertura da consciência, pode vir levando o ser cada vez mais a estar em outro lugar de viver, quem sabe, de uma forma mais serena e harmônica.
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