Meras coincidências? Incidentes fortuitos?
TUDO É UMA QUESTÃO DE PERCEPÇÃO
TUDO É UMA QUESTÃO DE PERCEPÇÃO
Como diz Fayga Ostrower em ‘Acasos e Criação Artística’:
“Meras coincidências?
Incidentes fortuitos?"
"Mas não é assim que surgem os acasos significativos que de
modo tão puramente circunstancial incendeiam a nossa imaginação? Talvez. E
talvez seja mais do que apenas isto. Pensando bem, até parecem uma espécie de
catalisadores potencializando a criatividade, questionando o sentido do nosso fazer e imediatamente
redimensionando-o. Talvez contenham mensagens, propostas nossas endereçadas a
nós mesmos. Não captaríamos, nesses estranhos acasos, ecos do nosso ser
sensível?
...Aqui
convém considerar o seguinte: para se tornarem “acasos”, os fenômenos teriam
que ser percebidos por nós. Vale frisar este ponto, pois, na verdade, o próprio
tecido de vida não é senão uma infinita teia de acasos. No contínuo fluir, há
uma sucessão de eventos que, embora ocorrendo em conjunto, resultam de causas
aparentemente desconexas entre si e também fora de nosso controle _ acasos
sempre em relação à nossa existência individual. A cada instante nos chegam
incontáveis estímulos de toda sorte: visuais, acústicos, táteis, olfativos,
cinéticos, em sensações e situações das mais diversas. Seria humanamente
impossível captar a totalidade dos eventos. De fato, permanecemos indiferentes
à vasta maioria _ nem chegamos a percebê-los conscientemente e não lhes
prestamos atenção. Registramos alguns apenas. Estes poderão tornar-se acasos.
Há, portanto, uma seletividade interior em nós, que se
manifesta através da simples percepção de um evento. Entretanto, mesmo entre os
que forem percebidos por nós, fazemos certas distinções. Alguns eventos até que
poderiam ser considerados coincidências em si curiosas. Mas enquanto não
sentirmos que tais coincidências nos digam respeito de um modo ou de outro, ou
contenham algo de particular que possa nos interessar naquele momento, ao
tomarmos conhecimento delas, tão prontamente as esquecemos. Foram apenas
casualidades.
Outros eventos, porém, despertam em nós uma atenção
especial. Sabemos imediatamente que eles não aconteceram “por acaso”. São
acasos significativos.
Antes de mais nada há o grande ACASO na vida de cada pessoa,
que é a sua própria existência. É a personalidade da pessoa: na constelação de
certas potencialidades, certas predisposições vitais diante do viver, certos
dotes e inclinações, seu ânimo e também suas atitudes de caráter. Nesta
unicidade de cada pessoa há o acaso existencial. Mas é uma acaso que irá se
converter em contexto de NECESSIDADE para o indivíduo, pois suas
potencialidades representarão forças inelutáveis, de cuja realização ele não
poderá fugir sob pena de se sentir aniquilado em seu íntimo ser. São estas potencialidades
inatas de cada um, que geram os impulsos poderosos a mover o indivíduo a vida
inteira, numa busca de realização que se entrelaça com a busca de sua própria
identidade.
...Há no ser de cada
pessoa certas áreas de sensibilidade, a partir das potencialidades latentes,
que serão ativadas pelos acontecimentos, transformando-se em enfoques para os
próprios acontecimentos.
Quando notamos um acaso significativo _ e pode ser um evento
em si insignificante – ele é “reconhecido” de imediato. Este ato de reconhecimento
se dá de modo direto ou com uma certeza absoluta, sem hesitação e sem etapas
intermediárias de reflexão ou dedução intelectual, estabelecendo-se naquele
momento uma correspondência, uma espécie de consonância com algo dentro de nós.
E mais. No mesmo instante em que o acaso surge em nossa atenção, já o imbuímos de
conteúdos existenciais, ligando-o a certos desejos e esperanças, a uma razão
íntima e plenamente significativa para nosso ser.
...Sim, os acasos são imprevistos, mas não são de todo
inesperados_ ainda que numa expectativa
inconsciente, em termos de mobilização psíquica e receptividade.
As pessoas não são passivas frente aos estímulos_ e não é
qualquer estímulo que poderá tornar-se “acaso” ou “inspiração”. As pessoas
estão é receptivas; receptivas a partir de algo que já existe nelas em forma
potencial e que encontra no acaso como que uma oportunidade concreta de se
manifestar.
Por isso é que, ao procurarem realizar suas potencialidades,
são as próprias pessoas que saem de si para irem ao encontro dos acasos. Dos seus acasos. Só seus. Não são acessíveis
a mais ninguém."
(continua...)
(continua...)